Jovens compartilham relatos pessoais e reflexões sobre ser invisível em série de vídeos produzida durante a pandemia
Data da publicação: 24 de setembro de 2020 Categoria: Notícias
Não é novidade que a pandemia do novo coronavírus trouxe um furacão de emoções para a vida de milhões de pessoas mundo afora. A necessidade de isolamento social, as rupturas sociais, afetivas, financeiras… Para as juventudes, esse complexo fenômeno social teve sabores (e dissabores) ainda mais intensos. Como lidar com o afastamento dos amigos, com as perdas, com as inseguranças? E mais: neste momento de hiper-reflexão pessoal, de olhar para dentro, como lidar com a descoberta da sua própria invisibilidade? Como acolher esse sentimento e, ao mesmo tempo, ressignificá-lo? Essas são alguns dos questionamentos da professora Tatiana Passos Zylberberg, do Instituto de Educação Física e Esportes (IEFES) da Universidade Federal do Ceará (UFC), que, durante a pandemia, desenvolveu a série Botões #ÉramosInvisíveis.
Coordenada pela docente, a iniciativa contou com a participação de seis estudantes do IEFES/UFC e da professora colaboradora Samara Maia, responsável pelo registro de imagens e edição dos vídeos. Bolsista do projeto, Lucas Gabriel Fontes ficou com a tarefa de entrevistar os outros participantes e conduzir a live de lançamento realizada pelo Instagram. A série é um desdobramento do livro O menino que desenhava o invisível, de autoria de Tatiana Zylberberg, lançado em 2019 pelo projeto Eu sou Cidadão/ Amigos da Leitura, uma realização da APDMCE em parceria com outras instituições. A publicação chegou a ser lançada na XIII Bienal Internacional do Livro do Ceará.
A professora explica que em 2019 já idealizava as Oficinas de Criação Compartilhadas, que seriam implementadas no ano seguinte. Originalmente idealizado no formato presencial, o plano foi parcialmente interrompido com a pandemia. Mas, como tantos outros projetos, foi readequado a uma realidade que se tornou essencialmente virtual diante do atual contexto.
Com a seleção dos participantes voluntários, os integrantes do projeto passaram a se reunir semanalmente para ler capítulos do livro O menino que desenhava o invisível e debater os temas abordados na publicação. Inicialmente, a professora do Instituto de Educação Física e Esportes diz que havia uma necessidade de produzir conteúdo, de estimular a expressão dos estudantes, mas ainda não se sabia qual seria o produto final. A série de vídeos foi gestada concomitantemente ao avançar dos encontros.
“No início, eles poderiam refletir sobre a invisibilidade de qualquer forma, alguns desenharam, outros fizeram poesia”, contextualiza Tatiana. “Quando a gente passou pelo primeiro capítulo do livro, os alunos falaram ‘eu não tinha me dado conta do quanto eu era invisível’’. Foi nessa partilha que a gente conversou e decidiu produzir uma série de vídeos”, complementa.
- Mayara Kelly falou sobre representatividade e racismo;
- Ramila Lima sobre abandono paterno;
- Sarah Oliveira questiona os padrões de beleza, principalmente as cobranças por cabelos sem cachos;
- Lucas Gabriel trouxe para reflexão o tema da bullying no ambiente escolar;
- Lucas Timbó falou dos sentimentos sufocados, urgência de aceitação e visibilidade das emoções; e,
- Fabiana Freitas abordou o bullying vindo de um professor.
A série Botões #ÉramosInvisíveis conta com seis capítulos, cada um narrado por um estudante voluntário do projeto, além de dois episódios extras de introdução e conclusão. Todos os vídeos foram veiculados na página do Instagram @omeninoquedesenhavaoinvisivel, por meio do IGTV, bem como na conta do YouTube do projeto. Nas produções, os jovens refletem sobre as tantas invisibilidades vividas ao longo de suas trajetórias. “Eles falavam muito desses encontros como momento de acolhimento muito afetuoso, de olhar para outros assuntos que não para a doença (covid-19) e para o medo, eles se sentiam livres, criativos”, diz a professora.
O bolsista Lucas Gabriel Fontes relata que o chamou bastante atenção a maneira como a dinâmica fluiu no que diz respeito aos relatos individuais dos participantes voluntários. “Muitos afirmaram que nunca haviam falado sobre certos acontecimentos do seu passado, mas que sentiram que esta seria a hora de contar as suas histórias. O processo de cuidar dessas histórias, roteirizá-las e transformá-las em vídeo foi de uma riqueza tremenda. Cada detalhe, cada relato e cada experiência foram singulares”, ressalta.
Para Gabriel, outro resultado positivo do projeto foi a possibilidade de as histórias serem compartilhadas com outras pessoas que também se identificam com os relatos. “Muitas pessoas compartilharam e falaram a respeito da identificação com as histórias dos jovens, com certos pontos muito parecidos em suas vidas, de experiências boas e ruins que serviram de degraus no processo de construção de quem essas pessoas são hoje e como ajudam a mudar a vida de outras crianças e jovens também. Receber esse retorno foi algo muito gratificante”, detalha.
A temática do livro O menino que desenhava o invisível perpassa toda a trajetória profissional de Tatiana Zylberberg, que leciona há 20 anos para adolescentes e jovens. Para a professora e pesquisadora, sempre foi um desafio que tomou para a vida romper com o ensino um tanto limitante e tecnicista que menospreza outras produções de conhecimentos considerados menos tradicionais, como a arte, a música, a dramaturgia… e, consequentemente, invisibiliza estudantes que não se encaixam em todos os padrões no ensino formal. “O livro é inspirado numa história real que percorre os últimos 17 anos da minha vida. Ela tem um registro inicial na minha tese de doutorado, que trata da inteligência invisibilizada na escola pelo jeito mais restrito de a gente definir o que é o aprender. Muitas escolas desprestigiam outras produções de conhecimentos”, salienta.
A pesquisadora reforça que esse não reconhecimento das potencialidades (primeiro pelo outro e depois por si próprio) traz duras consequências para a vida adulta. “A gente tem muitos adoecimentos cuja causa é invisibilizada. O livro é um produto que eu sempre tive vontade de realizar junto com o projeto Eu sou Cidadão”, diz a autora, que, durante o isolamento social imposto pela pandemia, produziu workshops com crianças de municípios cearenses, como Maracanaú e Brejo Santo, para tratar da temática. A mediação com esses municípios foi possibilitada pelo projeto Amigos da Leitura, da APDMCE.
“Tem gente que gosta de estudar as estrelas difíceis de ver. Eu sou fascinada em enxergar algo melhor nas pessoas. Desde menina tenho mania de colecionar outros finais para as histórias. Seja na vida do Will ou da Renata, não importa o nome: há muitos invisíveis nas escolas, nas ruas, bem embaixo do nariz da gente”, pontua Tatiana Zylberberg.
Projeto Eu Sou Cidadão/Amigos da Leitura
O livro O menino que desenhava o invisível, publicado em 2019 pelo projeto Eu sou Cidadão/Amigos da Leitura, é uma realização da Associação para o Desenvolvimento dos Municípios do Estado do Ceará (APDMCE), em parceria com a Fundação Demócrito Rocha, o Banco do Nordeste, o Governo do Estado, o Selo UNICEF, a Associação dos Municípios e Prefeitos do Ceará (Aprece) e a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação do Ceará (Undime-CE).
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